Espiritismo, Doutrina espírita, Kardecismo ou Espiritismo kardecista:
É a doutrina codificada pelo pedagogo francês Hippolyte Léon Denizard Rivail, usando o pseudônimo Allan Kardec. É uma doutrina que alia ciência, filosofia e religião, buscando a melhor compreensão não apenas do universo tangível (científico), mas também do universo a esse transcendente (religião). A doutrina é baseada em cinco "obras básicas" - que juntas formam a Codificação Espírita - escritas por Kardec, através da observação de fenômenos que o mesmo atribuía a manifestações de inteligências incorpóreas ou imateriais, denominadas espíritos. A codificação espírita se constituiu em: O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns, O Evangelho segundo o Espiritismo, O Céu e o Inferno e A Gênese ; somam-se à codificação as chamadas obras "complementares", como O Que é o Espiritismo?, Revista Espírita e Obras Póstumas .
O termo Espiritismo foi cunhado por Kardec em 1857 para definir especificamente o corpo de ideias por ele reunidas e codificadas em "O Livro dos Espíritos". Na publicação do livro O Que é o Espiritismo, o codificador a define como uma doutrina que trata da "natureza, origem e destino dos espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal e as consequências morais que dela emanam", e fundamenta-se nas manifestações e nos ensinamentos dos espíritos.
Também é compreendida como uma doutrina de cunho científico-filosófico-religioso voltada para o aperfeiçoamento moral do homem, que acredita na possibilidade de comunicação com os espíritos através de médiuns. A doutrina também é conhecida por influenciar e prover um movimento social de instituições de caridade e saúde, que envolve milhões de pessoas em dezenas de países.
O espiritismo tem se expandido e, segundo dados do ano 2005, conta com cerca de 15 milhões de adeptos espalhados entre diversos países, como Portugal, Espanha, França, Reino Unido, Bélgica, Estados Unidos, Japão, Alemanha, Argentina, Canadá,e, principalmente, Cuba, Jamaica e Brasil, sendo que este último tem a maior quantidade de adeptos no mundo. No entanto, vale frisar que é difícil estipular a quantidade existente de espíritas, pois as principais estipulações sobre isso são baseadas em censos demográficos em que se é perguntado qual a religião dos cidadãos, porém nem todos os espíritas interpretam o Espiritismo como religião.
O termo espiritismo (do francês antigo "spiritisme", onde "spirit": espírito + "isme": doutrina) surgiu como um neologismo, mais precisamente uma palavra-valise, criada pelo pedagogo francês Hippolyte Léon Denizard Rivail (conhecido por Allan Kardec) para nomear especificamente o corpo de ideias por ele sistematizadas em "O Livro dos Espíritos" (1857) .
Para se designarem coisas novas são precisos termos novos. Assim o exige a clareza da linguagem, para evitar a confusão inerente à variedade de sentidos das mesmas palavras. Os vocábulos; espiritual, espiritualista, espiritualismo têm acepção bem definida. Dar-lhes outra, para aplicá-los à doutrina dos Espíritos, fora multiplicar as causas já numerosas de anfibologia.[...] Quem quer que acredite haver em si alguma coisa mais do que matéria, é espiritualista. Não se segue daí, porém, que creia na existência dos Espíritos ou em suas comunicações com o mundo visível. Em vez das palavras espiritual, espiritualismo, empregamos, para indicar a crença a que vimos de referir-nos, os termos espírita e espiritismo, cuja forma lembra a origem e o sentido radical e que, por isso mesmo, apresentam a vantagem de ser perfeitamente inteligíveis, deixando ao vocábulo espiritualismo a acepção que lhe é própria. | — Allan Kardec
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Contudo, a utilização do termo, cuja raiz é comum a diversas nações ocidentais de origem latina ou anglo-saxônica, fez com que ele fosse rapidamente incorporado ao uso cotidiano para designar tudo o que dizia respeito à alegada comunicação com os espíritos. Assim, por espiritismo, entendem-se hoje as várias doutrinas religiosas e/ou filosóficas que crêem na sobrevivência dos espíritos à morte dos corpos, e, principalmente, na possibilidade de se comunicar com eles, casual ou deliberadamente, via evocações ou espontaneamente. Essa apropriação do termo cunhado por Kardec, por parte de adeptos de outras tradições espiritualistas, é criticada pelos seguidores contemporâneos do pedagogo francês, que o reivindicam para designar a sua doutrina específica.
O termo "kardecista" é repudiado por parte dos adeptos da doutrina que reservam a palavra "espiritismo" apenas para a doutrina tal qual codificada por Kardec, afirmando não haver diferentes vertentes dentro do espiritismo, e denominam correntes diversas de "espiritualistas". Estes adeptos entendem que o espiritismo, como corpo doutrinário, é um só, o que tornaria redundante o uso do termo "espiritismo kardecista". Assim, ao seguirem os ensinamentos codificados por Allan Kardec nas obras básicas (ainda que com uma tolerância maior ou menor a conceitos que não são estritamente doutrinários, como a apometria), denominam-se simplesmente "espíritas", sem o complemento "kardecista". A própria obra desaprova o emprego de outras expressões como "kardecista", definindo que os ensinamentos codificados, em sua essência, não se ligam à figura única de um homem, como ocorre com o cristianismo ou o budismo, mas a uma coletividade de espíritos que eles acreditam que se manifestaram através de diversos médiuns naquele momento histórico, e que se esperava que continuassem a comunicar, fazendo com que aquele próprio corpo doutrinário se mantivesse em constante processo evolutivo. Outra parcela dos adeptos, no entanto, considera o uso do termo "kardecismo" apropriado. O uso deste termo é corroborado por fontes lexicográficas como o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa , o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa , o Michaelis Moderno Dicionário da Língua Portuguesae o Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa.
As expressões nasceram da necessidade de alguns em distinguir o "espiritismo" (como originalmente definido por Kardec) dos cultos afro-brasileiros, como a Umbanda. Estes últimos, discriminados e perseguidos em vários momentos da história recente do Brasil, passaram a se auto-intitular espíritas (em determinado momento com o apoio da Federação Espírita Brasileira ), num anseio por legitimar e consolidar este movimento religioso, devido à proximidade existente entre certos conceitos e práticas destas doutrinas. Seguidores mais ortodoxos de Kardec, entretanto, não gostaram de ver a sua prática associada aos cultos afro-brasileiros, surgindo assim o termo "espírita kardecista" para distingui-los dos que passaram a ser denominados como "espíritas umbandistas"
Segundo seguidores e simpatizantes da Doutrina Espírita, os fenômenos mediúnicos seriam universais e teriam sempre existido, inclusive com fartos relatos na Bíblia. Entre outros, os espíritas citam como exemplos mediúnicos bíblicos a proibição de Moisés à prática da "consulta aos mortos", que seria uma evidência da crença judaica nessa possibilidade, já que não se interdita algo irrealizável ; a consulta de Saul, primeiro rei do antigo Reino de Israel, à Bruxa de Endor, em I Samuel 28:1-25, que vê e ouve o Espírito desencarnado de Samuel, o último dos juízes de Israel e o primeiro dos profetas registrados na história do seu povo; a comunicação de Jesus com Moisés e Elias no Monte Tabor na Transfiguração de Jesus (Mateus 17:1-9) .
Na filosofia antiga também há exemplos: nos Diálogos de Platão, este fala sobre o daimon ou gênio que acompanharia Sócrates.
Muitos espíritas adotam a data de 31 de março de 1848 (início dos acontecimentos mediúnicos na residência das Irmãs Fox em Hydesville, EUA) como o marco inicial das modernas manifestações mediúnicas, alegadamente mais ostensivas e frequentes do que jamais ocorrera, o que levou muitos pesquisadores a se debruçarem sobre tais fenômenos. No entanto, para Sir Arthur Conan Doyle e vários outros espíritas, o marco inicial das modernas manifestações mediúnicas foi na verdade Emanuel Swedenborg, polímata sueco do século XVII. Segundo Conan Doyle, a espiritualidade de Swedenborg marcou o início da era em que fenômeno mediúnico deixou de ter caráter esporádico, para transformar-se numa espécie de "invasão espiritual organizada" na Terra.
Allan Kardec
Durante o século XIX houve uma grande onda de manifestações mediúnicas nos Estados Unidos e na Europa. Estas manifestações consistiam principalmente de ruídos estranhos, pancadas em móveis e objetos que se moviam ou flutuavam sem nenhuma causa aparente. No final dos anos 1840 destacou-se o suposto caso das Irmãs Fox, nos EUA.
Em 1855, o professor Denizard Rivail, que depois adotou o pseudônimo de Allan Kardec, pretendia investigar o fenômeno que muitas pessoas afirmavam ter experimentado na época, das mesas girantes ou dança das mesas, em que mesas e objetos em geral pareciam animar-se com uma estranha vitalidade. Apesar de iniciais afirmações bastante duvidosas em relação ao fenômeno "Eu crerei quando vir e quando conseguirem provar-me que uma mesa dispõe de cérebro e nervos, e que pode se tornar sonâmbula; até que isso se dê, deem-me a permissão de não enxergar nisso mais que um conto para dormir em pé",assegura-se que após dois anos de pesquisas, não tinha constatado um motivo para englobar todos os acontecimentos dessa ordem no âmbito das falácias e/ou charlatanices. Pessoalmente convencido não só da realidade do fenômeno, que considerou essencialmente real apesar das mistificações existentes, mas também acreditando que eles eram realmente causados por influência de espíritos, Rivail, passou a promover novos métodos de estudo para a identificação deste e outros fenômenos do tipo mas sagrou-se principalmente a divulgar suas concepções sobre consequências ético-morais a eles relacionadas.
O verdadeiro Espírita não é aquele que crê nas manifestações, mas aquele que aproveita o ensinamento dado pelos Espíritos. De nada serve crer, se a crença não o faz dar um passo à frente no caminho do progresso, e não o torna melhor para o seu próximo | — Allan Kardec; O Espiritismo na sua Mais Simples Expressão.
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Quanto à sua formação, foi discípulo de Pestalozzi (discípulo por sua vez de Rousseau) e membro de diversas sociedades acadêmicas.O seu principal intuito como espírita era dar algum suporte à espiritualidade humana numa época em que a ciência avançava a passos largos e as religiões perdiam cada vez mais adeptos. Kardec julgava ter encontrado um novo modo de pensar o real, que uniria, de forma ponderada, a ascendente ciência e a decadente religião. Analisou relatos de inúmeras ocorrências mediúnicas espalhadas pela Europa e Estados Unidos, unificando as informações que interpretou a fim de codificar esse tipo de prática e os ensinamentos transmitidos. Assim, Kardec defendia que fazia uso do empirismo científico para investigar os fenômenos, da racionalidade filosófica para dialogar com o que presumiu serem espíritos e analisar suas proposições, e buscou extrair desses diálogos consequências ético-morais úteis para o ser humano. Surgia aí, mais precisamente em 18 de abril de 1857, a doutrina espírita, sistematizada na primeira edição de O Livro dos Espíritos.
Nos Estados Unidos, desde os primórdios de seu aparecimento, o Espiritismo tem sido mais comumente denominado "Moderno Espiritualismo", em face da introdução de um caráter científico-filosófico-religioso novo nas ideias já existentes do espiritualismo. Nos países de língua inglesa, assim como boa parte da europa, o espiritismo ainda é considerado, primordialmente, uma ciência de observação dos fenômenos espiritualistas (uma espécie de "espiritualismo científico ou experimental") e, muito menos, como uma religião.O Espiritualismo norte-americano e inglês evoluiu de forma bem diferente do que é conhecido como Espiritismo ou Doutrina Espírita, conforme codificado por Allan Kardec.
Segundo seus biógrafos, Allan Kardec foi convidado por Fortier, um amigo estudioso das teorias de Franz Anton Mesmer, a verificar, observar e analisar o fenômeno chamado de mesas girantes, um tipo de sessão espírita popular no século XIX. As primeiras manifestações de mesas girantes observadas por ele aconteceram por meio de mesas se levantando e batendo, com um dos pés, um número determinado de pancadas e respondendo, desse modo, sim ou não, segundo fora convencionado, a uma questão proposta.
Kardec, analisando esses fenômenos, concluiu que não havia nada de convincente neste método para os céticos, porque se podia acreditar num efeito da eletricidade, cujas propriedades eram pouco conhecidas pela ciência de então. Foram então utilizados métodos para se obter respostas mais desenvolvidas por meio das letras do alfabeto: a mesa batendo um número de vezes corresponderia ao número de ordem de cada letra, chegando, assim, a formular palavras e frases respondendo às perguntas propostas.Kardec concluiu que a precisão das respostas e sua correlação com a pergunta não poderiam ser atribuídas ao acaso.O ser misterioso que assim respondia, quando interrogado sobre sua natureza, declarou que era um espírito ou gênio, deu o seu nome e forneceu diversas informações a seu respeito.
Posteriormente o fenômeno diminuiu de popularidade e chegou a tornar-se anedótico.
Diante de experiências com as mesas girantes Victor Hugo se converteu ao espiritismo e em 1867 clamou que a ciência deveria dar atenção e seriedade para os fenômenos:
"A mesa girante ou falante foi bastante ridicularizada. Falemos claro. Esta zombaria é injustificável. Substituir o exame pelo menosprezo é cômodo, mas pouco científico. Acreditamos que o dever elementar da Ciência é verificar todos os fenômenos, pois a Ciência, se os ignora, não tem o direito de rir deles. Um sábio que ri do possível está bem perto de ser um idiota. Sejamos reverentes diante do possível, cujo limite ninguém conhece, fiquemos atentos e sérios na presença do extra-humano, de onde viemos e para onde caminhamos".
Apesar da crença que supostos espíritos ou gênios movimentavam as mesas, experimentos científicos de Michael Faraday publicados em 1853 mostraram que os movimentos eram causados pelo efeito ideomotor e descartaram as explicações paranormais para o fenômeno das mesas girantes. O efeito ideomotor também causa os movimentos observados no chamado tabuleiro ouija, em que os participantes movimentam marcadores involuntariamente sobre letras e números e também atribuem os movimentos a supostos espíritos ou gênios.
São continuadores da doutrina e de fundamental importância para sua expansão: Arthur Conan Doyle, Albert de Rochas, Alexandre Aksakof, Amalia Domingo Soler, Bezerra de Menezes, Camille Flammarion, Cairbar Schutel, Cesare Lombroso, Chico Xavier, Deolindo Amorim, Divaldo Franco, Ernesto Bozzano, Eurípedes Barsanulfo, Gabriel Delanne, Gustave Geley, Herculano Pires, Hernani G. Andrade, Hermínio C. Miranda, Léon Denis, Oliver Lodge, Raul Teixeira, Paul Gibier, Vera Kryzhanovskaia, Waldo Vieira (até 1965), William Crookes, Yvonne Pereira, Zilda Gama, entre outros.
Psiquiatra e parapsicólogo espírita brasileiro da Universidade Federal de Juiz de Fora, Alexander Moreira-Almeida faz ampla divulgação de suas pesquisas, com resultados que suportam dogmas da doutrina espírita como a mediunidade. Ele analisou a veracidade de cartas psicografadas por Chico Xavier.
Nascido no século XIX, no dia 18 de Abril de 1857, com a publicação de O Livro dos Espíritos, o Espiritismo se estruturou a partir de pretensos diálogos estabelecidos com espíritos desencarnados que, se manifestando por meio de médiuns, discorreram sobre temas científicos, religiosos e filosóficos sob a ótica da moral cristã, ou seja, tendo por princípio o amor ao próximo, trazendo à luz novas perspectivas sobre diversos temas de grande relevância filosófica e teológica. Desta forma foi estabelecido um dos preceitos básicos do espiritismo que é a importância da caridade, (Lema: Fora da caridade não há salvação)entendida como sendo a benevolência para com todos, indulgência para as imperfeições dos outros e perdão das ofensas.
O Espiritismo pretende chegar à compreensão da realidade mediante a integração entre as três formas clássicas de conhecimento, que seriam a ciência, a filosofia e a religião. A doutrina espírita se propõe, assim, a estabelecer um diálogo entre as três, visando à obtenção de uma forma original que, a um só tempo, fosse mais abrangente e mais profunda, para desta forma melhor compreender a realidade. Kardec sintetiza o conceito com a célebre frase:
“Fé inabalável só o é a que pode encarar frente a frente a razão em todas as épocas da humanidade”.
Segundo o filósofo espírita Herculano Pires, "Filosofia Espírita, como disse Kardec, pertence genericamente ao que costumamos chamar Filosofia Espiritualista, porque a sua visão do Universo não se prende à Matéria, mas vai até o Espírito, que considera como causa de tudo o que percebemos no plano material. Englobando na sua interpretação cosmológica a Ciência Espírita, e tendo como conseqüência a Religião Espírita, a Filosofia Espírita encerra em si mesma toda a doutrina."
É importante ressaltar ainda que, quem quer que acredite haver em si alguma coisa mais do que os elementos integrantes do universo natural - matéria e radiação - acreditando assim em quaisquer entidades transcendentes ao universo tangível é, por definição, espiritualista, independente de sua religião, sendo, portanto, o espiritualismo enquanto oposição ao materialismo, o pilar fundamental da maioria das doutrinas religiosas. No caso do espiritismo, a principal diferença entre esta doutrina e a maioria das demais religiões é sua crença na possibilidade de comunicação entre o mundo corporal e o mundo espiritual, contudo, a fé nesta possibilidade de comunicação gera grande confusão por parte dos leigos entre a doutrina espírita e as religiões afro-brasileiras, contudo, cada uma delas possui origens completamente distintas umas das outras.
Allan Kardec, em "Obras Póstumas", propõe que o espiritismo seja uma doutrina natural, passível de ser interpretada ou não como religião pelos homens, isto é, capaz de colocar o homem – ou o espírito – diretamente em relação com Deus
A doutrina espírita, de modo geral, fundamenta-se nos seguintes pontos (princípios):
Além disso, podem-se citar como características secundárias:
A doutrina espírita adota a moral cristã , apesar de suas concepções teológicas diferenciadas. Para os espíritas, nome dado aos seguidores do Espiritismo, Jesus Cristo se trata do espírito mais elevado a já ter encarnado na Terra, bem como o modelo de conduta para o auto-aperfeiçoamento humano, tendo provado, pela prática da caridade absoluta e pela sua própria encarnação, que o homem pode suportar as provas necessárias para a sua elevação espiritual.
Os espiritistas (tradução muito usada durante as primeiras décadas do século XX para o neologismo francês spirite) ou espíritas, afirmam-se cristãos e atribuem à doutrina espírita o caráter de uma doutrina cristã, já que consideram seguir os ensinamentos morais de Jesus. Entretanto, essa associação entre o espiritismo e o cristianismo é contestada pelas religiões de tradição judaico-cristã, sob a alegação de que, embora partilhem de valores morais semelhantes, a rejeição espírita a diversos dogmas bíblicos e teológicos preconizados por elas inviabilizaria a conceituação do espiritismo como cristão.
Os espíritas fundamentam sua defesa do caráter cristão da doutrina espírita no fato de Allan Kardec defender que a moral cristã, isenta dos dogmas de fé a ela associados, seria o que de mais próximo a um código de ética divino e racional o homem possui. Os espíritas argumentam que os dogmas foram elaborados ao longo dos séculos pela Igreja Católica, não sendo, por isso, necessário segui-los para ser cristão. Além disso, o item 625 d'O Livro dos Espíritos afirma ser Jesus o maior exemplo moral de que dispõe a humanidade, apesar de o espiritismo negar a ele qualquer carácter efetivamente divino.
A professora Dora Incontri, pós-doutorada pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, também defende o caráter cristão da doutrina espírita, apontando, na proposta estruturada por Allan Kardec, um novo modelo de religião, alheio a dogmas, fórmulas, hierarquias sacerdotais e baseado eminentemente no aspecto ético-moral do indivíduo. Considera ainda Jean-Jacques Rousseau e Johann Heinrich Pestalozzi como os dois grandes precursores da ideia de uma "religiosidade natural", predominantemente moral, e defende que "evidenciou-se com a publicação de "O Evangelho segundo o Espiritismo" e de "O Céu e o Inferno" que, embora não o confessasse, ele [Kardec] estava fazendo uma nova leitura do Cristianismo".
As bem-aventuranças são 9 ensinamentos que Jesus proferiu no Sermão da Montanha, segundo o Novo Testamento (Mateus 5:1-12). Para o espiritismo estes ensinamentos são de grande importância, a seguir serão apresentados sobre a óptica espírita.
«"Bem aventurados os pobres de espírito, pois que deles é o reino dos céus"» (Mateus 5:3). No entender da doutrina espírita, Jesus promete o reino dos céus aos simples e humildes em referência as qualidades morais do indivíduo.
«"Bem-aventurados os que choram, pois que serão consolados." "Bem-aventurados os famintos e os sequiosos de justiça, pois que serão saciados." "Bem aventurados os que sofrem perseguição pela justiça, pois que é deles o reino dos céus"» (Mateus 5:4-10). Segundo o espiritismo, somente na vida futura podem efetivar-se as compensações que Jesus promete aos aflitos da Terra. A fé no porvir pode consolar e infundir paciência no espírito que suporta as diversas anomalias terrestres com calma e resignação. Todavia não justifica as causas da diversidade dos males, das desigualdades entre o vício e a virtude, das deformidades e dos flagelos naturais. As vicissitudes da vida podem dividir-se em duas partes de acordo com a ótica espírita: umas tem suas explicações na vida presente, enquanto outras se encontram fora desta vida. Esta ultima causa na visão espírita é explicada pela pluralidade das existências em que o espírito encarnado paga os males que cometeu em vidas anteriores.
«"Bem aventurados os que têm puro o coração, porquanto verão a Deus"» (Mateus 5:8). A pureza do coração assemelha-se ao princípio da simplicidade e humildade, que exclui toda ideia de orgulho e de egoísmo. Segundo o espiritismo, o emblema de pureza que Jesus toma pela infância não deve ser tomado ao pé da letra, "Então lhe trouxeram algumas crianças para que as tocasse, mas os discípulos os repreendiam. Jesus, porém, vendo isto, indignou-se e disse-lhes: Deixai que venham a mim os pequeninos, não os embaraceis, porque dos tais é o reino de Deus. Em verdade vos digo: Quem não receber o reino de Deus como uma criança, de maneira nenhuma entrará nele", Marcos 10:13-15. O espírito da criança não podendo ainda manifestar suas tendências para o mal, representa, momentaneamente, a imagem da inocência e da candura assemelhando-se aos espíritos puros. Contudo, as ações [boas ou más] tomadas pelo espírito antes de encarnar irão refletir, pouco a pouco, no seu comportamento como espírito encarnado. Portanto, na medida em que o espírito encarnado vai desenvolvendo sua estrutura física, desenvolve também sua estrutura psíquica que encontra as características comportamentais correspondentes a conduta real do próprio espírito.
«"Bem aventurados os brandos, por que possuirão a Terra"» (Mateus 5:5). «"Bem-aventurados os pacíficos, por que serão chamados filhos de Deus"» (Mateus 5:9). Segundo o espiritismo, Jesus faz da brandura, da moderação, da mansuetude, da afabilidade e da paciência, uma lei.
«"Bem aventurados os que são misericordiosos, por que obterão misericórdia"» (Mateus 5:7). A misericórdia consiste no perdão das ofensas, para a doutrina espírita o sacrifício que mais apraz a Deus é a reconciliação com os adversários, conforme está em Mateus 5:23-24.
Segundo o espiritismo, toda a moral cristã se resume neste axioma:
Fora da caridade não há salvação. | — Mateus 22:34-40; I Coríntios 13:1-7 e 13
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Para boa parte das religiões cristãs, a reencarnação está em desconformidade aos ensinamentos da Bíblia, a ressurreição, ao conceito de salvação e do eterno suplício. Exemplificam a passagem do apostolo Paulo que determina o estado de toda a humanidade após a morte. "E, como aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o juízo..." (Hebreus 9:27). Concluindo que o "juízo" refere-se a "condição final" em que todos os humanos serão julgados, vivos e mortos, estes últimos ressuscitarão.
Para a doutrina espírita, entretanto, a reencarnação foi confundida pelo nome de ressurreição, que significa literalmente "voltar à vida", resultando as diversas causas de anfibologia. A crença de que o homem poderia reviver é antiga e fazia parte dos dogmas judeus, porém não era determinado de que maneira o fato iria ocorrer, pois apenas tinham vagas e incompletas noções acerca da alma e de sua ligação com o corpo. Segundo alguns adeptos do espiritismo, o apostolo Paulo na citação anterior, desvenda a duvida referente à ressurreição e desfaz a crença da volta do espírito no corpo que já está morto para morrer segunda vez no mesmo, sobretudo quando os elementos da matéria orgânica já se acham dispersos e absorvidos pelo tempo, pois todos os homens morrem apenas uma vez a cada existência corpórea.Afirmam ainda que o "juízo" refere-se ao estado individual (não coletivo) que sucede a morte do corpo (erraticidade).Embora não resolva profundamente o problema da ambiguidade diversas passagens bíblicas enfatizam a reencarnação, segundo o espiritismo, em Jó 14:10-14, Marcos 6:14-16, Marcos 9:11-13 e João 3:1-12.
O Juízo Final, representa, segundo a doutrina espírita, o processo de "Regeneração da Humanidade", no qual a Terra sofrerá uma lenta transformação físico-moral, em que se separarão os espíritos que desejam seguir o caminho do bem daqueles que permanecerem no mal — evento simbolizado na Parábola do Julgamento das Nações em Mateus 25:31-46,e pela Parábola do Trigo e do Joio em Mateus 13:24-30. Todavia, essa desagregação não fará com que os "espíritos imperfeitos" permaneçam eternamente no sofrimento situação semelhante encontrada em Lucas 15:1-32, pois tudo que há no universo está destinado à lei do progresso.
A lei do progresso está intimamente ligada à reencarnação e a lei de causa e efeito. A doutrina espírita explica que, sendo o espírito dotado de livre-arbítrio, este responderá pelo bem ou mal que proporcionar a si mesmo e aos outros. A lei de causa e efeito procura explicar os acontecimentos da vida atribuindo um motivo justo que gera uma consequência proveitosa para o espírito. Através da reencarnação o espírito pode provar as experiências adquiridas na pratica do bem ou reparar o mal que praticou em anteriores encarnações.
As religiões de matriz judaico-cristã entendem que, com a Lei dada a Moisés no Antigo Testamento, Deus teria interditado à antiga Israel as comunicações com o mundo dos espíritos e o uso de poderes "sobrenaturais" por eles concedidos. "… não haverá no meio de ti ninguém que faça passar pelo fogo seu filho ou sua filha, que interrogue os oráculos, pratique adivinhação, magia, encantamentos, enfeitiçamentos, recorra à adivinhação ou consulte os mortos (necromancia)" (Deuteronômio 18:10-14). Afirmam ainda que essa proibição teria sido confirmada no Novo Testamento, pelas referências contidas nos Evangelhos e no livro de Atos dos Apóstolos aos "espíritos impuros". A citação do apóstolo Paulo em Gálatas 5:20, afirma que quem pratica "feitiçaria" (ou bruxaria, pois o termo grego usado é farmakía) … não herdará o Reino de Deus".
Já para a doutrina espírita, a Bíblia não condena a prática mediúnica em si, pois esta seria fundamentada em um fenômeno natural. A condenação bíblica seria, na verdade, a mesma do movimento espírita: condena-se o uso dos recursos mediúnicos para finalidades frívolas, fraudulentas ou com objetivos de ganhos materiais ou econômicos do médium, já que a mediunidade deve ser gratuita, com o único objetivo de exercer a caridade.
Ao mesmo tempo, a postura da Doutrina Espírita propõe que se avaliem os textos bíblicos, quando verdadeiramente originais, de forma crítica, levando em conta o seu patamar simbólico, em função dos recursos vocabulares e figuras de linguagem disponíveis à época, em ensinamentos dirigidos a um povo simples e sem repertório, e, consequentemente, desprovido das complexidades e riquezas linguística, cultural e material necessárias para a compreensão de conceitos que nem mesmo o homem atual, como todas as suas aquisições intelectuais, é capaz de compreender em toda a sua profundidade .
O Espiritismo não possui um símbolo oficial e prioriza uma linguagem denotativa, no entanto, o ramo de videira presente em O Livro dos Espíritos - única gravura usada por Kardec na Codificação Espírita - é considerado pela doutrina como a imagem metafórica perfeita da relação entre o espírito e o corpo-humano, devido a esse trecho:
Porás no cabeçalho do livro a cepa que te desenhamos, porque é o emblema do trabalho do Criador. Aí se acham reunidos todos os princípios materiais que melhor podem representar o corpo e o espírito. O corpo é a cepa; o espírito é o licor; a alma ou espírito ligado à matéria é o bago. O homem quintessencia o espírito pelo trabalho e tu sabes que só mediante o trabalho do corpo o Espírito adquire conhecimentos. | — Prefácio de O Livro dos Espíritos.
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